Peço que tenha a paciência de ler este texto até o final. Trata-se da de alguns trechos da conclusão de um trabalho feito pelo português José Antônio Sanches Ramos da Universidade de Lisboa cujo título é:
A Realidade Transformada
A Fotografia e a sua Utilização
O meu objetivo aqui é mostrar aos que acham que a fotofrafia tem que revelar sempre a realidade, e que por isso condenando processos de pós produção e manipulação como as técnicas e dupla exposição a que tenho me referido nos últimos dias.
Além disso aqueles que acham que imagens não podem ser manipuladas. Calma lá…o universo é bem amplo, como podem ser as nossas idéias e conceitos não?
Espero que gostem. E quem gostar, já sabe, compartilhe-o,
………..
Poderemos assim referir de forma lata que a Fotografia em encontrado uma manifesta diversidade de utilizações, umas mais nobresoutras mais servis, o que se verifica desde o seu aparecimento, mas reconheçamos que essa dualidade ou mesmo pluralidade, presentes também noutras actividades humanas são afinal, características da natureza do Homem.
Como actividade humana a Fotografia, depara-se hoje com um extenso campo de actuação: em alguns casos é excessivamente visível, noutros muito discreta.
Recordamos os registos fotográficos de aplicação científica que vão do infinitamente pequeno ao grandioso do espaço sideral, das pesquisas específicas com auxílio de imagens para o estudo e identificação de anomalias climáticas, florestais e agrícolas e ainda no campo das menos nobres, as utilizações estratégicas e militares.
Acreditamos nas suas potencialidades ainda por desvendar, bem como no aprofundamento do estudo e da identificação de características já utilizadas, e em particular num domínio que directamente se relaciona também com a essência deste trabalho: o carácter específico da Fotografia no ENSINO ARTISTICO.
Efectivamente, a prática da tecnologia fotográfica num contexto de experimentação didáctica de processos artísticos, baseados, na nossa experiência de ensino, o que facilita a compreensão das opções metodológicas (documentais, introspectivas, objectivadoras), estimula no aluno a expressão da sua INDIVIDUALIDADE.
Proporciona também a confrontação dos elementos visuais constituintes doprocesso, ao estabelecer-se uma avaliação dos apoios que a sua utilização demanda e os limites que o meio inevitavelmente confere.
….
Assumindo embora o risco de cair em redundâncias em alguns pontos já expostos, entendemos por bem retomá-los agora, de forma consentânea com as nossas posições, na parte final de um trabalho que se propôs acompanhar e reflectir sobre as utilizações da Fotografia e sua relação com a realidade.
Cremos como consensual afirmar que terão sido as grandes transformações técnico-científicas, sociais e políticas dos finais do século XVIII e princípio do século XIX, o ponto de referência para a invenção da Fotografia. Contudo, tal questão oferece dúvidas na sua avaliação, visto que analisando-a posteriormente se conclui que os primeiros usos já satisfaziam necessidades
existentes antes da invenção.
A nosso ver, parece mais coerente, sugerir este como o período primordial, em que de facto se gerou um sobrelevado volume de pensamentos expectantes, e cujos espírito e produtos responderam completamente às necessidades.
Subsiste, no entanto, a concepção de que os artefactos de ajuda mecânica, utilizados pelos artistas renascentistas e pós-renascentistas, influenciaram e desenvolveram em grande escala a sua produção, em especial no que respeita às leis da perspectiva linear, oferecendo notável contributo ao desenvolvimento dos meios que dariam origem ao aparecimento da Fotografia, e mesmo depois: de forma continuada, muitos pintores executaram pinturas derivadas de
fotografias.
O corolário extremo desta concepção situa-se na noção de que a Fotografia adoptou ou usurpou a representação funcional da Pintura, forçando os pintores a caminharem no sentido da abstracção. Porém, actualmente, este argumento, perde consistência. E não pode relacionar-se, de forma coerente, em toda a sua extensão, com muito do que se explanou ao longo dos capítulos que constituem a nossa reflexão. É verdade que a Fotografia, na própria vertigem
da sua evolução, quase fechou o espaço que lhe permitisse reagir – depois relacioná-la com o mundo das imagens pictóricas ou outras. Algumas transformações ocorridas nos planos social e artístico foram, com efeito, resultantes do advento da Fotografia e do seu poder de substituição. Mas, a par, decorria um pensamento plástico novo, com Cézanne num pólo de pesquisa,
além dos impressionistas, cuja informação teórica e técnica terá, em certos casos, reflectido sobre fenómenos de natureza científica ( profundidade, teoria das cores, percepção visual), embora sem perder a dimensão poética.
O argumento a que aludimos há pouco, relativamente à passagem dos pintores para o domínio da abstracção, terá sido lançado em cerca de 1900, directamente pelos artistas que o usaram, para justificar a sua rejeição ao naturalismo do século XIX. Entre rejeições por polémica e procuras de novas formas de acordo com o espírito de transformação social baseado no crescimento industrial vai uma distância considerável,aliás, esclarecedora. A abstracção pictórica – que chegou depois a influenciar a Fotografia numa via semelhante – deriva mais da problematização da arte, da sua natureza e dos seus fins.
A representação perdia a sua força, sem o mecenato da Igreja Católica, e o encontro dos artistas com a vida abriu-se em muitas direcções. A teoria da imagem aplicada à pintura tanto poderia exacerbar a análise das aparências, tornando visível o real, segundo escreveu Paul Klee, como estaria em condições de apagar a ilusão perceptiva das coisas em redor. O esforço feito nesse sentido, aliás em paralelo com a descoberta de outras culturas, levou longe a transformação da realidade plástica: se o quadro é uma superfície coberta de cores, segundo uma determinada ordem, conforme Maurice Denis, que razão haveria para sobrecarregar esse objecto de elementos supérfluos, artifícios complicados, panejamentos bordados a ouro, maçãs, jarras de flores?
A falta de medida compromete muito estas áreas, onde uma parte de irracionalidade se torna necessária para dar suporte à dimensão poética, ao espaço do espírito. A ideia atrás expendida radica na convicção – nascida em 1939 – de que a Fotografia seria o epítome do realismo. Vimos como estas orientações se tornaram o lado perverso da evolução artística no século XX e ajudaram a prolongar o analfabetismo sobre essa área até hoje. Embora não fosse intenção
nossa alargar este estudo às aplicações formativas (no ensino e em geral) da Fotografia e das suas variações tecnológicas, técnicas e expressivas, a verdade é que a conclusão ficaria incompleta, se não se deixasse firmado o evidente impulso que a Fotografia pode fornecer às metodologias e unidades pedagógicas a diferentes níveis. Tal acontece em toda a produção de sentido, outras formas de expressão, com relações interdisciplinares e interactivas que entretanto cresceram em muitos campos: a Fotografia não seria excepção certamente.
O cinema (e o vídeo) tiveram e mantêm um papel relevante na formação de gerações de alunos, na segunda metade do século XX. A eles se acrescenta a informática, não como ferramenta lúdica, mas como espaço capaz de atravessar linguagens diversificadas, tanto ao nível estatístico e histórico como no próprio plano criativo. E a Fotografia, neste caso a digital, entra progressivamente nessa osmose de canais de comunicação, nessa amálgama de culturas.
Durante muito tempo, o ensino artístico (secundário, superior e superior universitário) era visto pela óptica dos que lançavam o seu anátema contra as maquinetas da Fotografia e do Cinema, produtos trabalhados por gente sem graduação, curiosos, habilidosos, ou pessoas a quem a intuição emprestara capacidades de entretenimento. Era natural conceber o perfil de um arquiteto com duas máquinas fotográficas penduradas sobre a barriga. Já o pintor era personagem da boémia ou, modernamente, da competição entre as indústrias da cultura, trabalhando com a sua intuição e habilidade para a burguesia que costumava criticar.
Sabemos, contudo, que número crescente de artistas, nos países mais avançados, são agora vistos pelos governos como agentes culturais alicerçando a base da própria civilização, contribuindo para os estudos e as práticas sobre a ordenação dos espaços, em grupo com outros operadores, numa visão superior do território e do ambiente natural ou urbano. Há sempre fotógrafos nestas equipas multidisciplinares.
A finalizar evocamos, por manter certa actualidade uma significativa frase de Peter Galassi, adequada a preconceitos e insuficiências ainda persistentes:
«a fotografia, em relação ao discurso estético, não é uma filha bastarda da ciência, abandonada no longo percurso da arte, mas antes uma filha legítima da tradição pictórica ocidental»